sábado, 28 de abril de 2012

Jogo de Crise: Conhecendo o processo de Manobra de Crise


        Basicamente a crise se estabelece devido à existência de um conflito. Ela é um processo resultante da contraposição e contradição de vontades (dialética) decorrente de um confronto de interesses e constitui uma forma de busca de solução ou compromisso satisfatório para ambas as partes. Ela pode se desdobrar até o limite em que a força é empregada na consecução do objetivo almejado, a guerra. A Crise e a Guerra são fenômenos de mesma natureza, como entendido por Clausewitz, e diferem apenas na forma pela qual se emprega a força.
        O conflito entre Estados em torno de objetivos políticos ou político-estratégicos definidos, na conquista ou preservação dos quais as partes querem impor sua vontade desencadeiam o processo da crise. Ao nível estratégico ele é conduzido pelo mais alto escalão do Poder Político que, em função do objeto em disputa, define a legitimidade e os limites toleráveis para emprego de força. Neste contexto o risco de guerra e o valor que o povo atribui ao objeto em disputa sensibilizam a opinião pública e criam uma complexa relação entre governo, povo e forças armadas. O processo de crise pode ser estudado dividindo-o em quatro fases, conhecidas como “Fases da Crise” são elas: a do desafio, da reação, do desenvolvimento e a do resultado. A diplomacia, as informações e as decisões políticas se sucedem transformando se em ações, planejadas e executadas, inicialmente, pelo nível estratégico chegando ao nível tático-operacional até o limite em que a violência declarada é inevitável. A graduação da força é empregada, nas diversas fases da crise, para compelir o oponente a aceitar a vontade de quem a usa, mas não é usada para destruí-lo. Podemos entender que a Crise é a fronteira, o limiar, existente entre a paz e a guerra.
        Durante as fases da crise são tomadas decisões que procuram alterar a percepção do adversário, levando-o a concluir que os custos necessários a consecução de seus objetivos são demasiadamente grandes diante dos ganhos pretendidos. O processo decisório é dinâmico durante a crise e depende de informações constantes, pois as decisões envolvidas implicam no risco da deflagração de uma guerra. Os decisores, continuamente, manipulam o risco de guerra e decidem sob tensão e têm suas decisões comprometidas pelas condições psicológicas e pela interpretação dada, a cada instante, a um cenário, em que nem sempre é a mesma para todas as partes envolvidas.

O Jogo de Guerra de Crise deve explorar o aspecto da decisão e seus possíveis desdobramentos. Os partidos devem ser incentivados a decidir, sendo o gol principal do jogo, não ocorrer o desdobramento de uma guerra. A solução conciliatória mais favorável deve ser buscada por cada time. O estudo de situações como a dos mísseis de Cuba na década de 1960, a crise das Malvinas/Falklands anterior à guerra de 1982, os acordos de redução de ogivas nucleares e outros são terreno fértil para o desenvolvimento e estudo de Gabinetes de Crise.
        Dentro deste contexto a EGN, em 2007, desenvolveu um Jogo de Crise para apoiar à disciplina “Manobra de Crise” ministrada em seu Curso de Política e Estratégia Marítimas (CPEM). O jogo tem como pano de fundo o conflito de interesses estabelecido entre dois países fictícios, SODALITA e MARROM, em torno da exploração de uma bacia petrolífera na ZEE das ilhas MALVADAS, que eram reivindicadas historicamente pelos dois países. São participantes do jogo CORINDOM, um país fronteiriço à SODALITA, que tinha interesses econômicos na situação, a PETROGÁS, sua empresa petrolífera, que é contratada da EPPS, estatal de petróleo de SODALITA, para a exploração do campo em questão e do MERISUL que é o grupo econômico composto pelos países do continente em que se localizam SODALITA e CORINDOM.
        Os partidos são mobiliados com poderio político/situacional e militar condizente com os objetivos do jogo sendo incentivados a decidirem como empregar suas forças na proteção e manutenção de suas soberanias e interesses na situação. São apresentados três desafios com informações e fatos político-estratégico-operacionais e o objetivo principal do jogo é que os oficiais-alunos experimentem o ambiente existente em um Gabinete de Crise, suas pressões, decisões e possam discutir as conseqüências políticas e estratégicas e seus desdobramentos, sempre tendo em mente o processo de crise e as manobras a ele associadas.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os Jogos de Guerra na Escola de Guerra Naval



            A história dos Jogos de Guerra no Brasil se confunde com a da Escola de Guerra Naval (EGN). Ela foi a primeira instituição de ensino na América Latina a utilizar o método de jogos, que já era bastante difundido e utilizado por países como Alemanha, Estados Unidos da América, Inglaterra, Rússia, China, Japão e outros. Naquela época o curso da EGN era ministrado por conferências, sem notas de aproveitamento dos oficiais-alunos, sendo que o atendimento à Escola ainda não constituía uma condição para a promoção dos Oficiais da Armada ao generalato. Já em 1917 o Vice-Almirante Estevão Adelino Martins, Chefe do Estado-Maior da Armada recomendava a todos os oficiais da EMA que praticassem o “jogo de guerra”.

            Os Jogos de Guerra começaram a ser adotados na EGN desde sua inauguração em 25 de fevereiro de 1914. Na época o diretor da escola convidou o então Capitão de Fragata da Marinha dos Estados Unidos da América (EUA) Philip Williams, adido militar no Brasil, para ser o primeiro orientador do Curso de Jogos de Guerra. Passado um ano, ficou evidente a necessidade de um curso de Jogos de Guerra para os oficiais-alunos. No segundo ano da escola, em 10 de março de 1915, é aprovado o Segundo Regulamento da EGN, onde era oficialmente criado o Curso de Estratégia, Tática e Jogos de Guerra. “Tornou-se evidente a falta de um curso da Tática Terrestre que preparasse a mentalidade dos oficiais para a compreensão do Jogo de Guerra” [1]. Continuava encarregado do curso o Comandante Philip Williams, que no decorrer do ano fora substituído, interinamente, pelo CC Trajano Augusto de Carvalho, primeiro brasileiro encarregado dos Jogos de Guerra.

            Durante o período entre 1915 e 1927 o curso passou por muitas mudanças e modos de aplicação. Os oficiais candidatos ao conhecido “Curso de Guerra” deveriam, obrigatoriamente, prestar exames para cursar sendo que o exame do Jogo de Guerra era prestado em separado, por ser considerado “o método por excelência para cumprimento da missão da escola...” [2] “Por esta época (1923) o curso da escola tinha se desenvolvido bastante na parte diretamente ligada ao Jogo de Guerra. O trabalho exaustivo do Comandante Philip Williams, que fora o seu primeiro organizador, teve seguimento intensivo pelo Comandante C.T. Vogelgesang (1914/1915), Almirante Bryan (Henry F. Bryan - 1918), Almirante Fletcher (William Fletcher – 1920), todos oficiais da marinha dos EUA. Durante a direção do Almirante Fletcher, foi dado um impulso notável ao ensino, jogando-se as primeiras partidas com a intervenção de aviões na guerra naval e remodelando-se por completo as regras do jogo.” [3] As Regras para o Jogo de Guerra passaram a ser retiradas da experiência adquirida no mar, na paz e na guerra que era compilada, de forma a servir às exigências do curso, pelos oficiais instrutores.

            No primeiro regimento interno da EGN haviam três Departamentos ligados ao ensino, o Departamento de Comando, o de Estratégia e o de Tática. Esta divisão foi adotada para possibilitar o emprego do método do Jogo de Guerra tanto na “pratica de problemas estratégicos a serem estudados sobre a carta” quanto na “formulação dos problemas de Tática Naval aplicada a serem estudados sobre o tabuleiro.” [4]

            Passados os anos, em 1947, constaram pela primeira vez trabalhos em comum com a Escola de Aeronáutica; vários problemas de operações tiveram seu estudo e jogo nessas condições com real proveito. Em 1950, foi realizada a demonstração de uma Operação Anfíbia no Tabuleiro do Jogo de Guerra, pela primeira vez. Nesta ocasião a utilidade do método foi comprovada possibilitando a simulação de navios, do terreno da cabeça de praia e dos efetivos de tropas envolvidos que estavam representados por modelos e maquetes em escala. Em fins de novembro de 1951, pela primeira vez em sua história, a Escola de Guerra Naval realizou um Jogo de Guerra no mar em conjunto com a ECEMAR e cooperação da FAB, ESQUADRA, CFN e 2º Distrito Naval, sendo que no ano seguinte, 1952, realizou pela primeira vez, o Problema de Batalha de Guerra ensaiado e jogado no mar no ano anterior.

           O primeiro Jogo de Guerra internacional com a participação da Divisão de Jogos de Guerra da EGN, criada em 1968, foi o Inter-American War Games (IAWG) realizado Naval War College (NWC) nos EUA em 1975. Só em 1985 o Tabuleiro do Jogo de Guerra foi substituído por um simulador de Jogos de Guerra instalado no recém inaugurado Centro de Jogos de Guerra (CJG). Nessa ocasião se realizou o primeiro IAWG fora dos EUA. Durante o período entre 1985 e 2004 a EGN construiu uma excelência em Jogos de Guerra a partir da criação, participação e aperfeiçoamento de vários Jogos de Guerra tais como: MAJID, AZUVER, OPERATLAN, HEXALATERAL, IAWG, CARIMBÓ e outros.
           
            O desenvolvimento da informática e o estado da arte em modelos de simulação chegam à EGN, em 2004, com a inauguração do novo CJG e a adoção do Sistema Simulador de Guerra Naval (SSGN), que proporcionou maior flexibilidade e abriu novos horizontes para a aplicação de Jogos de Guerra, inclusive em cenários de aplicação institucional e nacional. Este avanço culminou com a inauguração em 2012 do Laboratório de Simulações e Cenários da EGN.

            Hoje os Jogos de Guerra têm um papel muito importante na formação dos Oficiais da Marinha. Sua aplicação tanto no nível de Estado-Maior quanto no nível de Política e Estratégia Naval tem aberto horizontes, colaborado nas decisões e influenciado, às vezes diretamente, na condução da Marinha e do Brasil.


Linha do Tempo dos Jogos de Guerra na EGN

1914
Ensino – Matérias – Estratégia, Tática e Jogos;
1915
Ensino – Curso de Guerra - Matérias – Estratégia, Tática e Jogos;
1916
Realizado o primeiro Jogo de Guerra de Tabuleiro na EGN
1918
A EGN se instala no prédio do Almirantado
Ensino – Curso de Guerra - Matérias – Estratégia, Tática e Jogos;

1921
Ensino – Curso de Guerra - Matérias – Estratégia, Tática e Jogos;
1923
Ensino – Curso de Guerra - O Jogo de Guerra diluiu-se entre o Departamento de Estratégia e Tática.
Matérias - Estratégia, Tática e Jogos de Guerra
1925
Jogos de Guerra no Tabuleiro com juízes
1927
Criação do Departamento de Operações/Seção de Tática/Seção de Estratégia
1947
Salão do Tabuleiro de Jogos.
1948
Criação do Departamento de Ensino/ Divisão de Operações / Divisão de Estudos Complementares / Divisão de Organização / Divisão de Análise e Pesquisa;
1950
Demonstração de uma Operação Anfíbia no Tabuleiro
1951
Demonstração de uma Operação Anfíbia no Tabuleiro com modelos dos navios, o relógio do jogo e o mezanino dos alunos.
1953
Reorganização do Departamento de Ensino / Divisões – Organização, Informação, Operações, Logística, Cursos, Publicações e Pesquisa.
1968
Criação da Divisão de Jogos de Guerra no Departamento de Planejamento da EGN.
1975
&
1976
Realização do Primeiro Inter-American War Games (IAWG) no Naval War College (NWC)
1985
Inauguração do Centro de Jogos de Guerra (CJG) - 14 de outubro de 1985;
Primeiro IAWG realizado fora dos EUA (realizado no CJG da EGN).
2001
Primeiro Jogo de Guerra Internacional patrocinado pela EGN – Jogo de Guerra BILATERAL (Brasil e Uruguai).
2004
Inauguração do novo Centro de Jogos de Guerra da EGN;
Criação do Sistema Simulador de Guerra Naval (SSGN).
2012
Criação do Laboratório de Simulações e Cenários da EGN.


[1] Livro de Estabelecimento da EGN, Capítulo I folha 4 página 17
[2] Livro de Estabelecimento da EGN, Capítulo I folha 13 página 24
[3] Livro de Estabelecimento da EGN, Capítulo I folha 10 página 21
[4] Livro de Estabelecimento da EGN, Capítulo I folha 11 página 22

Linha do Tempo dos Jogos de Guerra:

5000 a.C. – Wei-Hai (Envolvimento) / Go / Chaturaga / Xadrez;
1664 – Christopher Weikmann - Versões novas do Xadrez (várias) – Jogo do Rei;
1719 – Novo jogo da Marinha para o rei de Portugal;
1780 - Jogo de Helwing - tabuleiro com razão de movimento, peças representando grupos de homens, capacidade de movimento diferentes
1781 – Modelos de navios para simular engajamentos – combates históricos – Sr. Clark (inglês);
1795 / 1798 → George Vinturinus → nova versão do Jogo de Helwing com o tabuleiro representando o mapa real da França x Bélgica;
1811 – Von Reisswitz (pai) (alemão) – Tabuleiro de Areia, Blocos de madeira de cor Azul e Vermelha representando as unidades, Tabelas, Regras, Dados, Grupo de Controle (GRUCON) – seu jogo é jogado nas cortes da Prússia e da Rússia;
1824 – Von Reisswitz (filho) (alemão) – Usa mapas topográficos reais em escala, regras rígidas e efeitos de combate – inventa o Kriegspiel (Jogo de Guerra) considerado o primeiro Jogo de Guerra Militar Profissional;
1828 - Von Moltke (alemão) – Fundou o primeiro clube de Jogos de Guerra, surge o sistema de Estado-Maior e é criada a Escola de Guerra.
1837 – Os Jogos de Guerra são oficializados para o exército alemão;
1850 à 1875 – Os Jogos de Guerra foram se espalhando pelos países na medida que eram derrotados pela Alemanha;
1874 – Coronéis Von Meckel e Von Verdy (alemães) - Kriegspiel Livre – desenvolve um conjunto livre de regras para o Kriegspiel, usando a experiência tática dos juízes;
1875 – A Rússia determina a utilização de Jogos de Guerra pelo exército;
1876 – O Comandante Little (William McCarty Little) cria um jogo tático e um estratégico de navio x navio;
1877 – Coronel Von Verdy (Julius Adrian Friedrich Wilhelm Von Verdy Du Vernois (alemão) – propõe a eliminação das regras nos Jogos de Guerra;
1879 – Major Livermore ( William R. Livermore) (USARMY)  (americano) – criou “um jogo para praticar a Arte da Guerra sobre um mapa topográfico.” – criou o “Kriegspiel” americano - traduziu as regras alemãs e adaptou às estatísticas existentes (Regras de Batalha). Ele é considerado o pai dos jogos de guerra nos EUA;
1880 - O Capitão Totten (Charles A. L. Totten) (americano) do exército dos Estados Unidos da América (USARMY) produz um manuscrito sobre Jogos de Guerra sem conhecer o desempenho alemão;
1883 – O Duque de Cambridge (inglês) adota oficialmente os Jogos de Guerra na Inglaterra;
1887 – Primeiro Jogo de Guerra realizado no Naval War College (NWC);
1889 – Primeiro exercício combinado, marinha e exército dos EUA, Jogos de Guerra;
1890 – Capitão Totten cria e publica o jogo STRATEGOS, uma série de Jogos de Guerra americanos;
1894 – Os Jogos de Guerra influenciam no orçamento da marinha dos EUA (USNAVY) e são incluídos no currículo do NWC;
1895 – Os Jogos de Guerra influenciam na fundação do Canal Cape Cod;
1896 - Os Jogos de Guerra influenciam, novamente, no orçamento da USNAVY;
1898 – Fred T. Jane, dono da revista Jane’s fighting, elabora o primeiro Jogo de Guerra Naval na Inglaterra;
1899 – Criado o Army War College (AWC);
1899 – Os Jogos de Guerra são incluídos no currículo do AWC;
1906 – Uma comissão de investigação da derrota da Rússia pelo Japão constatou que o uso de Jogos de Guerra pelo Japão foi um dos fatores que contribuiu para a vitória japonesa. Novamente foi determinado o uso de Jogos de Guerra pelo exército russo;
1908 – Jogos de Guerra contemplam ações táticas e manobras em mapas:
1912 – Cap. Little escreve na Proceedings um artigo com os princípios dos Jogos de Guerra, que valem até aos dias de hoje;
1914 – Jogo de Guerra russo prediz a derrota russa na guerra;
1914 – Lancaster (F.W. Lancaster) – elabora as Equações de Lancaster, que predizem as taxas de atrição entre dois exércitos.
1914 – Jogos de Guerra de Tabuleiro na Escola de Guerra Naval (EGN) no Brasil;
1950 – Jogos de Guerra Aérea realizados nos EUA;
1950 – Demonstração de uma Operação Anfíbia no Jogo de Guerra de Tabuleiro da EGN;
1964 – Jogos de Guerra na Carta são adotados pela EGN;
1975 – Realização do 1º Inter-American War Games (IAWG) no NWC;
1985 – Inaugurado o primeiro Simulador de Ações Navais e Aeronavais na EGN;
1985 - Realização do 1º Inter-American War Games (IAWG) na EGN;
2001 – Realizado o 1º Jogo de Guerra Naval OPERATLAN na EGN;
2004 – Inauguração do novo Centro de Jogos de Guerra da EGN;
2004 – Criação do Sistema Simulador de Guerra Naval;
2012 – Criação do Laboratório de Simulações e Cenários da EGN;